terça-feira, 1 de setembro de 2009

O craque das pernas tortas



GARRINCHA, Mané

Manuel Francisco dos Santos, que se tornou mundialmente conhecido como Mane Garrincha, ou simplesmente Garrincha, era natural da localidade de Pau Grande, distrito de Magé, Rio de Janeiro, onde nasceu em 18/10/1933. O apelido pelo qual ficou conhecido veio da corruíra (também chamada de cambaxirra, garricha, garrincha, garrinchão e outros), um pequeno pássaro muito comum em grande parte do Brasil, e que ele costumava caçar durante a sua adolescência.

De origem humilde, Garrincha começou a jogar futebol no time da comunidade onde morava. Tinha apenas quatorze anos de idade, mas a facilidade com que se livrava dos adversários responsáveis pela ingrata tarefa de marcá-lo em campo, já chamava a atenção dos que tinham oportunidade de vê-lo em ação. Seu drible fácil, quase sempre para a direita, prenunciava o que dele diria mais tarde o escritor Carlos Drummond de Andrade: “Se há um deus que regula o futebol, esse deus é, sobretudo, irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios”.

Um dia, segundo consta, Arati, ex-jogador do Botafogo carioca, o levou ao campo de treino do clube a que pertencera, para que se submetesse a um teste. Alguns biógrafos de Garrincha afirmam que ele já havia tentado a mesma coisa em outros times do Rio de Janeiro sem, no entanto, merecer maior atenção: sua perna esquerda, arqueada para fora, causava nos técnicos que o examinavam com o olhar rápido de quem tem tarefas mais importantes a realizar, uma primeira impressão absolutamente negativa, desfavorável, e por isso não lhe davam oportunidade de mostrar do que era capaz.

Mas no dia 10 de junho de 1953 Garrincha chegou ao Botafogo para ser “experimentado”. Durante o treino o técnico Gentil Cardoso o colocou na ponta-direita do time reserva, tendo Nilton Santos, o lateral-esquerdo da seleção brasileira, como marcador. No livro “Estrela Solitária”, o escritor Ruy Castro relata essa passagem da seguinte forma: “Quando aquele ponta novato dominou a bola e parou para esperá-lo, Nilton partiu tranqüilo para desarmá-lo. Tranqüilo até demais, porque quando se deu conta, já havia sido driblado para fora. Correu atrás dele, e quando emparelharam, o ponta freou cantando os pneus. Ficaram de novo frente a frente. Nilton entrou duro para assustá-lo, mas foi driblado outra vez, e do mesmo jeito. Em outra jogada, minutos depois, o pontinha cometeu a suprema indelicadeza e enfiou-lhe a bola entre as pernas. Até então, Nilton Santos nunca permitiria tal desfeita a ninguém. Tudo isso é fato, mas o tempo exagerou o que aconteceu. Os relatos futuros criaram a ilusão de um fantástico baile de Garrincha em Nilton Santos. E não foi bem assim. Houve lances em que Nilton Santos também desarmou Garrincha com facilidade, e igualmente o driblou”.

Segundo a imprensa, o relato acima explica a correria dos homens do Botafogo, após o treinamento, para fazer Garrincha ‘assinar qualquer papel’, para segurá-lo. Nilton Santos foi consultado e deu a sua opinião favorável: “O garoto é um monstro. Acho bom vocês o contratarem. É melhor ele conosco do que contra nós”. Anos depois, Nilton lembrou daquele dia com saudade. “Eu vi um cara todo estranho, todo torto, e pensei: - é mais um que vem treinar. Não era. Balançou e passou por mim várias vezes. Eu perguntei: - O que é isso? Nem ele sabia explicar aquele drible. Ele ia levando a bola e de repente escapava sem o marcador nem notar”.

E foi assim que começou a carreira futebolística profissional de Mané Garrincha, o “anjo das pernas tortas” que inspirou o poeta Vinícius de Moraes na criação da seguinte poesia: “A um passe de Didi, Garrincha avança / Colado o couro aos pés, o olhar atento. / Dribla um, dribla dois, depois descansa, / como a medir o lance do momento. / Vem-lhe o pressentimento, ele se lança / mais rápido que o próprio pensamento. / Dribla mais um, mais dois, a bola trança / feliz entre seus pés – um pé de vento! / Num só transporte a multidão contrita, / em ato de morte se levanta e grita / seu uníssono canto de esperança. / Garrincha, o anjo, escuta e atende: Goooooool / É pura imagem: um G que chuta um O. / Dentro da meta um L. É pura dança!”.

O site http://www.botafogopaixao.kit.net/ afirma que “era um verdadeiro espetáculo vê-lo deslizar pela ponta direita, demolindo todos aqueles que tentavam impedi-lo. Era o símbolo maior do futebol moleque, irreverente, de cruzamentos precisos e muita ingenuidade”. E está absolutamente correto. Tanto que na Seleção Mundial do século XX, escolhida pela Federation Internationale de Football Association (Fifa), em 1998, seu nome aparece ao lado dos de Yashin – Goleiro, Carlos Alberto - Lateral-direito, Bobby Moore – Zagueiro, Beckenbauer – Zagueiro, Nilton Santos - Lateral-esquerdo, Cruyff - Meio-campista, Platini - Meio-campista, Di Stéfano - Meio-campista, Maradona - Atacante. Garrincha - Atacante e Pelé – Atacante.

Garrincha foi campeão mundial de futebol em 1958 e 1962; campeão carioca pelo Botafogo em 1957. 1961, 1962. Além disso, participou da conquista de inúmeros outros quadrangulares e torneios. Sobre ele, muitas frases foram ditas com carinho e admiração. Como a de Gavril Katchalin, técnico soviético em 1962: “Garrincha é um verdadeiro assombro. Não pode ser produto de nenhuma escola de futebol. É um jogador como jamais vi igual”. Ou a do jornal chileno El Mercúrio, em 1962: “De que planeta veio Garrincha?”. Ou ainda a de Didi, seu companheiro no Botafogo e na seleção: “Eu fazia o lançamento e tinha vontade de rir. O Mane ia passando e deixando os homens de bunda no chão. Em fila, disciplinadamente”. E também a de Nils Liedholm. meia da Suécia na Copa de 1958: “Estávamos em pânico pensando no que Garrincha poderia fazer. Não existia marcador no mundo capaz de neutralizá-lo”.

Irreverente, ingênuo, brincalhão, simples e humilde, era dono da arte e competência sem igual com que encantava torcedores do mundo inteiro, até mesmo dos times adversários, Garrincha foi, realmente, a “alegria do povo”. Jogou pelo Botafogo, de 1953 a 1965; pelo Corínthians Paulista, em 1966; pelo Atlético Júnior, da Colômbia, em 1968; pelo Flamengo, em 1969; e no Olaria carioca, em 1972, ano em que encerrou sua carreira. Como jogador da seleção brasileira, disputou 60 partidas, das quais perdeu só uma: contra a Hungria (3 a 1), na Copa de 1966. Em 19 de dezembro de 1973, no jogo de gratidão para Garrincha, a torcida que sempre soube admirá-lo lotou o estádio para se despedir do craque que amava, o maior ponta-direita do mundo.

Garrincha morreu no dia 20 de janeiro de 1983, no Rio de Janeiro, vítima de um edema pulmonar, e seu velório foi realizado no estádio do Maracanã

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